A todo o tempo vejo emoções nas “carinhas” dos cães com quem vou lidando: vejo-lhes a surpresa quando lhes apareço, de repente de detrás da porta, ou nojo, quando cheiram algo muito intenso. Quando estão “au natural” — nos parques entre pessoas ou com outros cães— é normal surpreender-lhes feições de medo, apreensão, alegria, interesse ou afeto. Os meus cães, como estão sempre debaixo dos meus olhos, parecem-me bolinhas de sentimentos: antecipação por irem à rua, desapontamento por serem deixados em casa sozinhos, orgulho por conseguirem trazer o pauzinho que lhes lanço ao rio. Questiono-me, muitas vezes, se os cães, realmente, sentem tédio, ficam zangados ou, o que é mais importante, gostam dos seus companheiros humanos.
No essencial, as pessoas querem saber se a ciência já conseguiu demonstrar que os cães sentem emoções comparáveis às nossas. Não é possível testar, definitivamente, o que os animais conseguem experimentar, mas, do que tenho a certeza é que os cães estão sempre a mostrar-me emoções. O afeto é por demais evidente naqueles focinhos relaxados e arquejantes, na cauda a dar a dar e a vontade de estarem sempre próximos de nós. Os cães mostram o que se pode chamar uma “base segura de afeto” na relação com as pessoas de quem gostam e tratam deles: brincam mais quando estão próximos dos seus donos; ficam à porta á espera que eles cheguem; “colam-se” quando chegam.
Os investigadores desenvolveram um catálogo de expressões faciais associadas a diferentes emoções dos cães. Dois músculos à volta dos olhos são particularmente bons para expressar preocupação, tristeza ou atenção. A sobrancelha do lado esquerdo é mais ativa quando os cães veem os seus donos, se calhar porque esse é o lado que corresponde ao hemisfério direito do cérebro, que controla a expressão das emoções. E o abanar da cauda quando regresso a casa, é tanto mais intenso quanto maior é a minha ausência. A temperatura das orelhas cai quando os cães estão sozinhos e ansiosos e sobe quando os donos voltam para eles.
Ainda assim a história recente da ciência demonstra a inconsistência com que pensamos na forma como os animais sentem. No último século, a ciência recusou atribuir emoções a animais não-humanos. Esta negação tem origem na precaução: as emoções são experiências subjetivas, por vezes muito opacas até para nós mesmos.
Com outros humanos pudemos presumir que sabemos o que sente outra pessoa que sente esta ou aquela emoção. Mas o mesmo não podemos presumir em relação aos cães: não podemos dizer que sentem, por exemplo a curiosidade ou o prazer exatamente da mesma forma que nós. Apesar de as semelhanças entre os mamíferos serem muitas, as espécies – e, até, os indivíduos, dentro das espécies—têm formas diferentes de viverem as suas experiências. Quase que apostaria que as nossas mentes se transpostas para o corpo de um cão, não seriam capazes de identificar os diferentes sentimentos.
Frequentemente presumimos que sabemos o que os cães estão a sentir com base numa falsa analogia com as expressões humanas. Vemos com os lados dos lábios para cima e assumimos que ele está a sorrir quando, na realidade esse “sorriso” é apenas um traço da sua anatomia. Lemos as suas expressões de culpa como vergonha por alguma coisa que fizeram, mas, na verdade essa expressão é melhor entendida se percebida como uma forma de tentarem apaziguar a raiva humana. Sem uma prova definitiva da experiência subjetiva dos animais, como podem os investigadores afirmar que eles realmente sentem medo ou dor?
No entanto, ao mesmo tempo, de facto, um século de investigação em neurociência e psicologia animal confirmam que os animais sentem emoções.
Se virmos de forma adaptativa, as emoções existem porque são úteis a um animal que precisa de fugir ao seu predador, por medo, ou evitar comida estragada, por nojo.
De um ponto de vista neurológico, as áreas ativas no ser humano quando ele sente alivio, ansiedade ou desespero — como a amígdala—também se encontram no cérebro dos cães.
A química também é semelhante: os níveis de oxitocina, a hormona relacionada com as ligações entre pais e filhos também surgem implicadas nas relações dos cães com os seus donos.
De um ponto de vista comportamental: mesmo que não as possamos nomear, a variedade de comportamentos e posturas que um cão assume, diz-nos claramente que ele tem experiências emocionais. As orelhas, os olhos, as caudas, as bocas e as posturas do corpo mudam como reação a eventos externos ou estados internos, como mudam as faces do humano.
Até de um ponto de vista lógico a ideia de que um cão não sofre emoções desafia a razão e a continuidade entre a natureza animal e humana: as emoções humanas terão evoluído misteriosamente a partir de cérebros de autómatos insensíveis?
Assim, não haverá que questionar se os animais sentem, mesmo que não sintam como nós. Mas, note-se, igualmente errado seria presumir que eles sentem como nós.
O seu cão gosta de si? Não olhe para a ciência para saber isso. Se observar com atenção e conseguir para lá do comportamento do seu cão, conseguirá chegar mais fundo da mente do seu cão do que alguma vez a ciência conseguirá chegar.
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